sábado, 27 de dezembro de 2014

Qual é sua metilxantina preferida?



            O nome "xantina" pode até parecer estranho para quem nunca o viu antes, mas é quase impossível que você nunca tenha consumido um dos derivados dela. Antes de falarmos das fontes de xantina, aqui vai um pouco de química. A xantina e seus derivados são formados pela junção de uma pirimidina (um anel aromático com dois heteroátomos, que são de nitrogênio) e um grupo imidazol (um anel também com ressonância e dois átomos de nitrogênio, mas com um total de 5 átomos no anel).  Essa junção peculiar forma uma purina. A estrutura da xantina está representada na imagem abaixo. 

As purinas são na verdade, pirimidinas unidas à um grupo imidazol

            Uma nota: purinas e as pirimidinas também podem soar estranhos, mas tais compostos são extremamente comuns. Na verdade, são tão comuns que eles constitutem seu código genético! A adenina e a guanina são purinas; enquanto a citosina, timina e uracila são pirimidinas. As quatro primeiras estão na constituição do DNA. O ATP, a famosa moeda energética usada por nossas células, tem adenina (e, portanto, uma purina) em sua composição.

            Voltemos à xantina. A partir da metilação (adição de radicais –CH3) à xantina, podemos obter compostos bem conhecidos. A cafeína, encontrada em grande quantidade no café; a teofilina, encontrada em especial nos chás de Camellia sinensis (entre eles, o chá verde e o chá preto); e a teobromina, encontrada principalmente no chocolate, são exemplos de metilxantinas.
 
Da esquerda para a direita: cafeína, teofilina e teobromina
            Observe acima como a estrutura básica delas é semelhante. A cafeína possui três grupos metil presos aos anéis de sua estrutura, enquanto a teofilina e a teobromina possuem apenas dois, mas em posições ligeiramente diferentes. São pequenas diferenças estruturais, mas que, no fim das contas, tem efeitos fisiológicos bem distintos.

           
A cafeína e outras metilxantinas são capazes de se
encaixar nos receptores para adenosina e
gerar um efeito antagônico
Vamos ver primeiro o que elas têm em comum. O mecanismo de ação das metilxantinas é bem "elegante". Elas "enganam" seu cérebro. Primeiro, você precisa conhecer a adenosina (uma purina!). A adenosina é um neuromodulador que vai se acumulando no tecido nervoso ao longo do dia. Ela torna mais lenta a liberação de neurotransmissores, que são fundamentais para a condução dos impulsos nervosos. Com impulsos nervosos sendo propagados em velocidade menor e também com a diminuição dos efeitos dos neurotransmissores, há a sensação de sono. As metilxantinas, podemos dizer, são irmãs gêmeas da adenosina. Observe na imagem acima a comparação entre moléculas de adenosina e cafeína.

            Por ser tão parecida, as metilxantinas conseguem se encaixar nas proteínas de membrana que recebem a adenosina. Mas as xantinas funcionam como uma irmã gêmea do mal: ao se encaixar nesses receptores, elas antagonizam a adenosina. Assim, elas produzirão efeitos justamente opostos ao da adenosina. É usando um "disfarce" de adenosina que as metilxantinas conquistaram toda a população mundial, de uma forma ou de outra.

Cafeína
             Já traduzi um artigo com mais detalhes sobre a cafeína aqui nesse blog. Para dar uma olhada, clique aqui. Falemos um pouco sobre ela: uma xícara de café média contém cerca de 100mg de cafeína, o que é suficiente para sentir seus efeitos (o tipo expresso tem mais cafeína). Uma lata de Red Bull tem somente 80mg de cafeína. A Anvisa permite que suplementos alimentares e bebidas contenham, no máximo, 420mg dessa substância por dose. Para os que sempre falam mal da Anvisa, esse valor é até mesmo considerado alto. 420mg de uma só vez é capaz de causar muitos efeitos indesejáveis, como será discutido mais a frente.

            A cafeína tem um efeito muito grande no sistema nervoso central. Ao bloquear os receptores de adenosina, aumenta a velocidade de liberação de outros neurotransmissores – contribuindo para a sensação de vígilia e atenção. Acontece que o hipotálamo interpreta isso como um estado de emergência e, no fim das contas, faz com que haja a liberação de adrenalina e noradrenalina. Assim, o ritmo cardíaco aumenta e, com isso, há vasodilatação das artérias que irrigam o músculo cardíaco e, para ajudar numa possível "luta" que o cérebro pensa ser iminente, outros músculos também são mais irrigados. No entanto, com a cafeína, as artérias que irrigam o cérebro sofrem uma mínima vasoconstrição. Por isso, a cafeína é usada em alguns medicamentos para dor de cabeça. Nos casos em que a dor de cabeça está sendo causada pela dilatação dos vasos sanguíneos na região do cérebro, a cafeína será eficaz.
           
            O excesso de cafeína (e eu creio que se o objetivo for apenas disposição, 420mg é um excesso) pode causar tremores, nervosismo, agitação, ansiedade, insônia e uma grande lista de efeitos indesejáveis. Ainda assim, um envenamento fatal é improvável, se não impossível: estima-se que 10g de cafeína pode causar a morte. É claro que dificilmente alguém irá virar 100 xícaras de café e chegar a esse ponto!

Teofilina
Observe à esquerda, uma via aérea normal na árvore brônquica. À direita, a inflamação da parede causa contração do músculo e liberação de muco. Isso causa dificuldades para respirar
            É encontrado no chá feito a partir da folha das árvores Camellia Sinensis – o chá verde e o chá preto são os mais conhecidos. Ela também estimula o SNC bloqueando os receptores de adenosina, mas tem um efeito menor que a cafeína. Na verdade, sua ação mais acentuada é no tecido muscular liso que reveste os brônquios e bronquíolos. Na asma, a passagem de ar é dificultada por um estreitamento ou obstrução nas vias respiratórias. Isso ocorre por causa de uma inflamação que causa a contração da musculatura lisa na parede brônquica. A teofilina é usada para prevenir crises de asma, pois relaxa a musculatura lisa. Assim, o ar não encontra grandes obstruções, melhorando dessa forma a função pulmonar. Seu efeito é lento (mas prolongado) e, por isso, não serve como broncodilator potente nas crises de asma. São, como foi dito, excelentes para a prevenção delas. A teofilina está presente em cápsulas contendo até 300mg no medicamento "Talofilina", da Novartis, por exemplo.

Teobromina
A Theobroma Cacao é muito cultivada no sul da Bahia

            Está presente no cacau em quantidades até oito vezes maiores que a cafeína e, por isso, no chocolate, seus efeitos são ainda mais nítidos. Seu nome vem de theos, que significa "deus" e broma, que significa "alimento". A árvore com os frutos do cacau recebe o nome de Theobroma cacao. Ou seja: o chocolate seria o "alimento dos deuses"!

            Os efeitos da teobromina são os mesmos da cafeína, mas são até dez vezes mais fracos. Ela é eliminada muito mais rapidamente, aumentando a produção de urina. Na medicina, nos casos em que a insuficiência cardíaca resultou na acumulação de fluidos, a teobromina é usada. Ela também tem evidente efeito vasodilatador, sendo usada para aliviar a pressão alta.

            No chocolate amargo, há altos níveis de teobromina – cerca de 528mg/100g.

E então: café, chá ou chocolate? Comente aqui!

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